Que 2021 faça sentido

Bheatrix Bienemann
5 min readDec 31, 2020

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2020 me deixou mais intensa. E eu nem achava que isso fosse possível.
Revi tudo o que chamamos de passado com outro coração.

Fiquei em luto pelas mortes durante a Gripe Espanhola e, mais do que isso, triste pela vida vivida durante.

Entendi e senti, finalmente, o que aqueles hippies da década de 60 queriam — além do fim da guerra do Vietnã — quando iam se manifestar (aqui entre nós… acabei entrando para o movimento). Vivenciei o assassinato de John Lennon como se fosse o de um grande amigo meu, pois foi o que ele se tornou para mim. Também fiz amizade com Tim Scully e Nicholas Sand, que me convenceram, em parte, de sua urgente agenda.

Nina Simone se tornou minha principal confidente. Quando o desespero com a minha própria condição batia, era ela a quem ia recorrer.

Me preocupei com as mulheres nigerianas na década de 90. Participei de algumas, mas não muitas, rodas de conversa secretas em que desabafavam sobre seus odiosos maridos, famílias e, principalmente, sobre o governo. Chorei pelas prisões injustificadas.

Logo após a Guerra Civil Espanhola, eu e uma amiga catalã percorremos as ruas melancólicas de Barcelona para ver alguns escombros de catedrais. Me escondi do fascismo italiano em San Costanzo, mas não posso negar que sonhava secretamente em me tornar uma partigiani.

Esse ano fiquei confusa muitas vezes, sem saber se o que Jinpachi Nezu dizia era sarcasmo ou não. Apesar do sépia dominante, foi um ano com algumas cores marcantes. Tipo aquelas cores que vimos quando Judy Garland abriu a porta para o mundo em tecnicolor, logo após o furacão em O Mágico de Oz.

Pude conhecer, finalmente, Aldous Huxley — que me explicou detalhadamente o sistema político-social em que vivemos. Fizemos um grupo de estudos junto com Ballard. Nos demos tão bem que, quando tiver um filho, penso em batizá-lo de Aldous em sua homenagem. Falando nisso, minhas navegações psiconáuticas ficaram bem melhores depois que convenci o Philip K Dick a me ajudar com redução de danos. Ele ainda não sabe e nem eu sei direito, mas me serviu de inspiração para uma ficção sobre redes sociais e distopia que só existe na minha cabeça. O nome da personagem principal é Philipa.

Tirei muitas das minhas dúvidas acadêmicas com o professor Timothy Leary, que me orientou com sabedoria durante esse ano. Ele se mostrou interessado em fazer algumas participações no grupo de estudos que eu criei com Aldous, que vai ser super importante pra mim agora que entramos na distopia. Vamos ver no que dá.

Enfim, 2020 está acabando, mas essas experiências continuam comigo. Não vou escrever sobre pandemia, esperança ou futuro ou isso tudo que as pessoas estão falando. Eu não tenho muitos desejos para 2021, só espero que não seja pior. Nunca entendi muito bem essa comoção toda por causa de um nascer do sol. Eu sei que é simbólico. Mas sei lá, o sol nasce todo dia, isso sempre me comove.

O conceito de “passado” foi algo que definitivamente perdeu o sentido pra mim em 2020. Olha só esses malditos ciclos políticos tornando presentes todos aqueles passados dos livros de História. Eu é que não caio mais nesse conto de passado. Passado não existe. É só o presente que acabou. A História não é passado, ela é viva e presente. Essa História que aprendemos como histórias é uma ilusão, porque na realidade são só registros. Registro de um presente. Tipo uma foto. Taí um conselho que adotei e gosto de dar para as pessoas: viva o presente.

Quando fui para a Amazônia, as pessoas me disseram que todo mundo continuava por lá, mesmo se o corpo tivesse morrido. Passamos de barco por uma ilha em que morava o tataravô de uma moça. Quando ele ficava bravo ou mau humorado, me disseram que chovia. No réveillon que passei lá, choveu. Mas não foi pelo humor de ninguém não, foi uma chuva de renovação. Chuva para limpar o ano que se passava e nos preparar para o novo.

Perdoem-me pelo desejo egoísta, mas hoje eu espero que chova aqui em Miguel Pereira. Réveillon agora só faz sentido pra mim quando chove.

Mas se não chover, tudo bem.

Falando em sentido, quase sempre tenho a impressão de que as palavras só fazem sentido na minha cabeça. Aí não escrevo. Nunca. Hoje foi só um dia em que resolvi não me preocupar com o sentido. Nem em escrever bonito ou ter uma história perfeita, enfim, resolvi não me preocupar com nada daquilo que me impede de escrever ou produzir qualquer coisa para ficar no mundo nos outros dias. Essa maldita síndrome de perfeccionismo… E se eu fingir que ela não existe hoje e escrever qualquer coisa? Fui afetada pela comoção, confesso. Aí acabou virando um texto enorme, talvez sem sentido pra você, mas com muito sentido para mim. De qualquer forma, caro leitor, fique à vontade para tirar algum sentido disso. Afinal é o que nós seres humanos fazemos, desde o começo, mesmo que ninguém saiba como e porque — o que ironicamente traz uma falta de sentido enorme para o ato de dar sentido. Mentira. Eu e o Terence McKenna achamos que tem muito sentido isso tudo.

Hoje, graças a um story que vi do Supla, acordei com a melodia (porque a letra eu não sabia) de Mind Games, do Lennon, na cabeça. É, gente, a inspiração às vezes vem de lugares inusitadíssimos. No meu caso, a maior parte dela tem vindo de lugares inusitados, aleatórios e fúteis. A filosofia e a Academia em geral, atualmente, tem me gerado muita ansiedade. Não é algo de que eu me orgulhe, no entanto. Estou trabalhando para melhorar. Mas voltando a Mind Games, fui ver a letra da música e, nossa!, como fez sentido! Vou deixar ela aqui para vocês, para encerrar esse texto.

Feliz nascer do sol!

Mind Games/ Composição: John Lennon

We’re playing those mind games together
Pushing the barriers, planting seeds
Playing the mind guerrilla
Chanting the mantra, peace on earth
We all been playing those mind games forever
Some kinda druid dudes lifting the veil
Doing the mind guerrilla
Some call it magic, the search for the grail

Love is the answer and you know that for sure
Love is a flower, you got to let it, you got to let it grow
So keep on playing those mind games together
Faith in the future, outta the now
You just can’t beat on those mind guerrillas
Absolute elsewhere in the stones of your mind
Yeah we’re playing those mind games forever
Projecting our images in space and in time

Yes is the answer and you know that for sure
Yes is surrender, you got to let it, you got to let it go

So keep on playing those mind games together
Doing the ritual dance in the sun
Millions of mind guerrillas
Putting their soul power to the karmic wheel
Keep on playing those mind games forever
Raising the spirit of peace and love

Love
(I want you to make love, not war. I know you’ve heard it before)

PS. Se puder, #fiqueemcasa

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Bheatrix Bienemann

Psicóloga e neurocientista. Pesquisadora sobre autoconsciência e substâncias psicodélicas. Movida pela arte e pela curiosidade sobre o ser humano.